Depois de algum tempo sem escrever aqui vão algumas notícias. Umas mais frescas que outras.
Cheguei a Calcutá há mais de um mês. Depois de ter estado num hotel que mais parecia um campo de refugiados (pelo preço não podia pedir mais), em que as ruas quase que eram mais limpas, arranjei quase por milagre uma casa. Pode parecer normal quem vive numa cidade mais do que dois meses tentar pelo menos arranjar um casa. Em Calcutá não o é, pois a densidade populacional é tal que não existem casas vazias, tudo está cheio e muito cheio. E mais, é normal todos os voluntários ou quase todos ficarem pela zona de Sudder Street que é uma rua cheia de hóteis e hostels de todos os tipos e feitios, para todos os preços. Onde também se come bastante barato. Pois arranjei uma casa que fica ainda mais barato que o mais barato de todos os hotéis, o hotel Maria (pelo nome até parece melhor), o campo de de refugiados (há voluntários que ficam lá 6 meses, para mim não dava e já dormi em muitos sítios bastante maus, mas se calhar sou mais "nojentinho" do que o que pensava). Tenho dois quartos, uma casa de banho ocidental, uma cozinha e o normal na Índia, um telhado, uma espécie de terraço. Vivo com um espanhol com 45 anos que está pela 2ªa vez em Calcutá.
Passando a fase de arranjar um tecto veio a fase de começar a trabalhar com as missionárias da caridade (MC). Aqui a história podia ser muito grande. Podia explicar a origem das MC, a vida da Madre Teresa de Calcutá que é simplesmente maravilhosa e inspiradora para qualquer do comum dos mortais, sejam crentes ou não crentes. Mas vou tentar ao máximo resumir. Por isso para quem é mais crente aconselho que leiam o livro "Vem sê a minha Luz", são os escritos pessoais e privados da madre Teresa e dão uma total ideia de como tudo isto começou e quais os objectivos desta congregação. Quem não é crente uma rápida pesquisa na internet basta para se encontrar milhões de entradas referentes à Madre Teresa e às MC. Aconselho mesmo muito o livro "City of Joy". Em Portugal não é muito fácil de encontrar, em português é quase impossível.
Quando cheguei dirigi-me à Casa Mãe (em português soa mal) para a missa das 6 da manhã que há todos os dias. A seguir as irmãs oferecem o pequeno almoço aos voluntários e depois de uma breve oração os voluntários seguem cada um para as suas casas. Eu ainda não estava registado por isso a irmã encarregue dos voluntários deu-me um passe para um dia para ir visitar Daya Dan, que é a casa de crianças deficientes. À tarde fui registar-me e acabei por registar-me nesta casa. Como fico 4 meses em Calcutá (agora já só restam menos de 3 meses) fui autorizado a ficar no 1º andar que é onde ficam as crianças com mais capacidades cognitivas (isso não implica que não tenham muitas incapacidades físicas). Existem crianças com autismo, tríssomia 21, atrasos de desenvolvimentos graves, paralisia cerebral, etc. O trabalho entre as 8 e as 9 da manhã consiste em lavar, roupa, crianças, o chão, as camas, etc. Tudo se lava e todos os dias o que é bastante positivo. Apartir das 9 o trabalho divide-se em 2, crianças que têm aulas e outras que vão para a fisioterapia. Embora tenha tentado explicar que não sou fisioterapeuta que estudo terapia ocupacional, fui reencaminhado para a fisioterapia. Durante a tarde divido o meu trabalho por Kalighat que é a casa para onde vão as pessoas que se encontradas na rua e que estão quase a morrer, que estão muito doentes e que durante anos se não toda a sua vida, viveram na rua sem qualquer dignidade. Consigo ver alguns cães em Calcutá com uma melhor vida que estes seres humanos que já pouco resta de humano. O trabalho aqui é muito simples estar. Estar nem sempre é fácil pois incomoda-nos e obriga-nos muitas vezes a sair de nós próprios. Para mim o mais difícil é estar quase em silêncio com essas pessoas. A língua é uma barreira grande mas aqui nesta casa tenho visto a importância que um sorriso, que um toque ou um carinho pode ter na vida de uma pessoa. É giro como a empatia em nada tem haver com a língua, pois existem pacientes com quem me dou bem e nunca trocámos mais do que um olá, ou como te chamas (os meus conhecimentos de bengali não dão para mais, mas ando a esforçar-me). Ele lá continua a falar em Bengali e eu respondo e falo em português, nenhum dos dois percebe o que o outro diz mas no fim rimo-nos e pronto estamos juntos e assim se passa uma tarde. Aqui o trabalho às vezes também passa por estar e rezar com aqueles que já pouco se mexem e que a qualquer momento vão morrer.
As outras tardes são passadas no dispensário de Sealdah que são enfermarias onde as pessoas vão curar as suas feridas. Uma ferida aqui, uma pequena ferida aqui pode significar passados 2 ou 3 meses uma amputação.
Vou mudar de casa, vou para Prem Dan, porque me foi pedido, ainda não sei muito bem o que é que aí se faz, mas quando o souber aviso.
E pronto não há muito mais a contar ainda não fiz quase nenhum turismo aqui pois normalmente aproveito para dormir ou para ler. O dia de descanso é a 5ª Feira. Portanto enquanto em Portugal desesperam por 6ª Feira eu desespero que a 6ª Feira chegue (eheh)
Um grande Abraço (a quem com muita paciência ainda vem aqui à procura de notícias e em muito tempo nada encontrou)
Num futuro próximo vou tentar pôr aqui algumas fotografias